quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mortes.

A morte lhe chegou. Na verdade, a morte o morreu que morte não ama, mata ou conjuga qualquer outro verbo senão morrer, mas o autor é poeta e sabem como são os poetas, escrevem mais do que devem.
Na praia que estava, afogado morreu. O oceano de um lado, à esquerda. À direita, a via movimentada e seus jovens correndo na avidez da idade. E egos. Mil egos, egos mil.
Acho que não sentiu dor, acho que só o coração parou. Nem isso, acho que morreu com o coração batendo que este não tinha o direito de parar. Se pudesse argumentar, o faria. Diria que não tinha tempo para morrer, que havia ainda muitos contratos a assinar e petições e reuniões e o inventário e aquela cartilha de investimentos e aquele relatório, enfim, precisaria de algo em torno de uma semana para organizar tudo. Mas não argumentou, que morte não argumenta, não faz interlocução. Morte apenas morre.
Acho que a morte o morreu por pena. O homem, no mar que estava, só tinha a cabeça para fora - ou era esta a mais imersa - e nadava desesperadamente. Às vezes para baixo, se afundando mais como a se entregar. Noutras, para cima, como a tentar sobreviver, mas emergia para buscar poesia onde, eu lamento, não havia.
Afogando-se que estava, a morte o morreu por dó, para que não penasse mais.(Embora morte só seja morte e morra, acho que teve pena do pobre rapaz e isso foge completamente à conjugação dos verbos.) Lamento, mas os muitos contratos a assinar e petições e reuniçoes e o inventário e aquela cartilha de investimentos e aquele relatório ficaram. Todos. Em suas gavetas, seus armários, na mesa do escritório. Ficaram. E ele, também. Ali, estendido na areia, como tentando penetrar nesta. Rosto na areia, costas à lua.
Morrera afogado de realidade. E suas narinas buscavam, e desesperadamente, algo que o homem nem conhecia: poesia.
*
E ali perto, menos de 20 metros, eu acredito, outra morte: Jovem rapaz andava tranquilamente com as vistas ao céu, ainda nublado. As nuvens, sua meninice feita de algodão, se abriram num repente: eram sorriso. A lua, cheia em seu brilho de brancura falhada, não teve pena, que lua apenas ilumina: iluminou. O rapaz não aguentou, era muita luz. Embriagou-se. Afogou-se. Morreu.

Um comentário:

  1. Sem palavras para descrever, apenas posso dizer que lágrimas vieram aos olhos ao lembrar que de algum modo fiz parte da tua história com a Literatura. Ainda que tenha sido somente mera espectadora do seu crescimento.
    A respeito da última passagem, do jovem que morre devido a demasiada luz, que fantástica composição!

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