quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O que vier

Nós sabemos que vamos perder as pessoas que mais amamos, e vivemos como se não soubéssemos. Acho que é menos doloroso.

O texto abaixo tem relação com a frase de Drummond: " As coisas findas, mais que as lindas, essas ficarão.", frase que carrego como mantra.É dedicado a duas das pessoas que mais me foram importantes e que vivem em mim em todo ato ou pensamento, que se enraizaram no mais profundo do que sou e cujas presenças ainda habitarão este mundo por muitos anos. Amor pouco tem a ver com a verbalização: "eu te amo". Tem mais a ver com a ordinariedade do dia, com o não glamour, com as mãos sujas e o corpo suado. Outra frase que também me move bastante e que tem a ver com esse texto é uma de Manoel de Barros: " As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas."

Por fim, a tudo que se foi, a tudo o que virá. Aos que amei, aos que vou amar. Evoé ao que a vida há de me dar, evoé ao futuro lindo que virá. Peço passagem e rendo homenagem:

O que vier
será lindo
será lindo
será?

O que vier
será lindo
será lindo
será!

O que vier
será lindo
será findo
e irá.

O que vier
será findo
será findo
e irá.

O que vier
será findo
será findo
findará.


Mas basta eu fechar os olhos
Que outra vez poderei te encontrar
E outra vez no teu ombro eu poderei recostar
E outra vez tua gaitada eu poderei escutar
E outra vez teu sorriso sorrirá sorrirá

lálálá...

sábado, 21 de julho de 2012

Para quando se pisar o chão.

Antes de pisar esse chão , peça licença.
Peça desculpas, faça reverências.
Tira os teus sapatos brilhantes
E mostra,ao menos uma vez, a face imunda dos teus pés brancos e macios.
Só dessa vez abdica dos teus coloridos tênis, esquece o prateado e o dourado.
O vermelho sangue e o laranja coral.
Abdica, que honra não brilha,
É marrom de lama e malcheira, fede.

Pisa com cuidado e respeito
Essa terra que tu sempre esqueces o maiúsculo ao pronunciar.
Pisa com consciência
Supera tua demência que governa o teu agir, fazer, pensar.
E principalmente o esquecer.

Mas lembra que não pisas piso
Não pisas mármore, granizo.
Pisas lama, solo, chão

E onde pisas, pisa sangue
Suor e saliva
E corpos, mentes, meninas.
Meninos, mulheres, idosos.
Pisas gente, pisas história.

Não, não pisas sangue vermelho escorrido da bravura.
Pisas sangue batido arrancado na tortura,
Sangue preto, pútrido
Filho do momento exdrúxulo
Que se chama ditadura.

Não é sangue que leva a vida
É sangue que perdeu-se junto à vida
E que garante as gerações futuras.

Não é sangue de nutrientes
Plaquetas, plasma, hemáceas
Não é sangue de falácias,
É sangue de gente, que sangrou pra outra gente nascer.
Como o sangue da menarca, o primeiro sangramento
Pra nova vida surgir.

Foi esse sangue, retirado a penas duras,
Por uma ditadura,
Que vem sujo como de menarca,
Já preto pelo estado de decomposição,
Que eleva este lugar, o enobrece
E então o chamamos nação.

domingo, 27 de maio de 2012

Não sei

Não sei que nada sei
Não sei
Sei nada
Sei de nada do ser
do saber, do achar ou do crer

“Só sei que nada sei” é pros sabidos.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Quanto ao tempo

Lembra que tempo é recurso finito não-renovável.
Não brota
ou renasce
ou revive,
é fugaz.
*
Lembra que tempo é senhor
Da corredeira da vida.
E o que vai,
Já foi.
E foi-se,
Adeus.
*
E como disse a poeta,
“ Faz a gente, faz da gente e se desfaz.
Ele enrola e desenrola.
Dá gorjeta e pede esmola.”
Enche a sacola do perdão
e do pecado.
Pondo-os lado a lado
até a batida final.
*
Apaga os vestígios.
E não deixa resquícios,
muito menos prestígios,
de vida qualquer.
*
Lembra que o tempo faz nascer e morrer.
E nos faz fazer
do tempo o que for
Fazer dinheiro, fazer amor.
Sentir poesia, sentir rancor.
Escolher o que melhor for,
o caminho de menos dor.
*
E se depois do tempo passar,
e só a tristeza sobrar,
o tempo não vai lamentar,
lamento,
que escolhestes gastar
assim o teu tempo.
*
E não haverá mais dor.
Ou choro,
ou arrependimento.
Porque agora,
e novamente lamento,
já não haverá mais tempo.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Porque Amores só amam


Tudo bem, a mão lhe ia escapando das mãos pouco a pouco, mas não há problema.
Amores vêm e vão, em vão, porque vêm de novo.
E o seu ia. Ia, ia, ia
Cada maldita palavra mal dita afastava a menina alguns metros.
E outras palavras, ainda malditas, mas bem ditas por outra boca,
a levavam ainda mais depressa.

O rapaz não ligava.
Que amores vêm e vão, ele cria.
Em  vão, a vida lhe mostraria.
Tudo bem, não há problemas, mas amores.
Amores só amam.
E o dele só amou.
Outro.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mortes.

A morte lhe chegou. Na verdade, a morte o morreu que morte não ama, mata ou conjuga qualquer outro verbo senão morrer, mas o autor é poeta e sabem como são os poetas, escrevem mais do que devem.
Na praia que estava, afogado morreu. O oceano de um lado, à esquerda. À direita, a via movimentada e seus jovens correndo na avidez da idade. E egos. Mil egos, egos mil.
Acho que não sentiu dor, acho que só o coração parou. Nem isso, acho que morreu com o coração batendo que este não tinha o direito de parar. Se pudesse argumentar, o faria. Diria que não tinha tempo para morrer, que havia ainda muitos contratos a assinar e petições e reuniões e o inventário e aquela cartilha de investimentos e aquele relatório, enfim, precisaria de algo em torno de uma semana para organizar tudo. Mas não argumentou, que morte não argumenta, não faz interlocução. Morte apenas morre.
Acho que a morte o morreu por pena. O homem, no mar que estava, só tinha a cabeça para fora - ou era esta a mais imersa - e nadava desesperadamente. Às vezes para baixo, se afundando mais como a se entregar. Noutras, para cima, como a tentar sobreviver, mas emergia para buscar poesia onde, eu lamento, não havia.
Afogando-se que estava, a morte o morreu por dó, para que não penasse mais.(Embora morte só seja morte e morra, acho que teve pena do pobre rapaz e isso foge completamente à conjugação dos verbos.) Lamento, mas os muitos contratos a assinar e petições e reuniçoes e o inventário e aquela cartilha de investimentos e aquele relatório ficaram. Todos. Em suas gavetas, seus armários, na mesa do escritório. Ficaram. E ele, também. Ali, estendido na areia, como tentando penetrar nesta. Rosto na areia, costas à lua.
Morrera afogado de realidade. E suas narinas buscavam, e desesperadamente, algo que o homem nem conhecia: poesia.
*
E ali perto, menos de 20 metros, eu acredito, outra morte: Jovem rapaz andava tranquilamente com as vistas ao céu, ainda nublado. As nuvens, sua meninice feita de algodão, se abriram num repente: eram sorriso. A lua, cheia em seu brilho de brancura falhada, não teve pena, que lua apenas ilumina: iluminou. O rapaz não aguentou, era muita luz. Embriagou-se. Afogou-se. Morreu.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amém

* Jesus deixou apenas um mandamento: Amem. A igreja, mistificadora, pôs um acento para ninguém entender. Nasceu Amém.

Espalham câmeras como se pudessem flagrar nosso amor.
Como se suas imagens, sem foco e de lentes sujas, pudessem captar o que somos.
Eles não sabem o que é o peito doer.
Eles não conhecem a insônia de sorriso estampado.

Não conhecem o menino dos dentes tímidos.
Nem seu amar com os olhos.
Neu seu transpirar cuidado,
ou seu andar Carlitos.

Também não conhecem o menino do objetivo
de ver o subjetivo
do mundo.

Eles não sabem o que é amor,
não conhecem a riqueza de seu espectro,
se limitando a pequena parte do todo.


Perdoemos
lhes.
Perdoemos
nos.

(e)

Amemos
lhes.
Amemos
nos.

Amem.

Amemos.

Amém.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Poema do Existencialismo

É, vivi, geralmente vivemos sem viver. E obrigado, por me ajudar nessa luta de olhar com olhos de ver. Texto surgiu da nossa conversa, texto é nosso e é texto de ler.

Olhava o mundo de olhar,
não via de ver.
E não fazia de fazer.
Nem vivia de viver.

Mas quando morreu,
morreu de morrer.
E não há o que dizer
sobre.

( E tamém não estudava de estudar,
ou cantava de cantar,
mas rezava de rezar - embora não soubesse de saber o que é o amor
mas o fato é que dos verbos de primeira conjugação
o autor se esqueceu,
e não foi de esquecer,
foi de esquecer por querer
mesmo.)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Um Dia

Não vim do futuro.
Nesse nem tenho interesse.
Eu vim do Um Dia
E foi no Um Dia que aprendi a ser

Dizem que minha verdade é utopia.
É sonho, magia.
Inverdade, fantasia.
Boa intenção que não remedia.
A dor dessa gente toda.

É que não sabem que a beleza vem de dentro.
E no íntimo mora a poeisa.
Eles não sabem que é só questão de tempo.
A chegada do Um Dia.

Nem toda dor vai ser curada.
E as lágrimas ainda terão seu lugar.
Eu já vou estar mais que morto.
Mas esse dia há de chegar.

E esse Um Dia.
É só o dia.
Em que o amor reinar.

sábado, 3 de março de 2012

Meninos

Há meninos que amam meninos.
E há outros meninos que matam meninos.
E ainda outros meninos que matam meninos que amam meninos.
E mais outros que não amam ou matam ou matam os meninos que amam meninos.

E esses meninos,
e quaisquer outros meninos, são
apenas
Meninos.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Conto gótico

Era para o primeiro texto do ano ser sobre fé no ser humano e tal. Mas precisei escrever o texto abaixo. Ele é um grito contra adolescentes de 15/16 anos imersos em ideologias, respeitáveis obviamente, de forma fanática. Há meninos dessa idade que não conseguem pensar na possibilidade de o outro estar correto, que não conseguem discutir, formular argumentos. Esse lamento é raivoso e triste. Não é contra eles, é contra um sistema politico-religioso que faz essas pessoas assim. Pessoas que tem acesso a ciência, mas que a veem apenas como um meio de fugir da pobreza e não como fonte de informações para uma vida melhor, uma interpretação racional da vida. Esse texto não vai mudar nada, eu sei, mas são minhas raiva e imaginação em palavras contra esse tipo de pensamento. É triste ter aulas com doutores mas sair da sala quando ouve a palavra sexo. Esse pensamento está mais próximo de nós que pensamos.

Feliz 2012, com muita reflexão e aprendizado para todos nós.

Segue o texto:

Andava com todos seus orgulhos e fracassos. E não tinha uma bolsinha de orgulhos e fracassos, andava com eles misturados à pele, ao sangue, às vísceras. Eles, os orgulhos e os fracassos, eram parte dela, eram seu caráter, suas ações; era a moça, em orgulhos e fracassos.


A cada dia se enchia mais de derrotas, vitórias, maldades, bondades. E nada de bolsinha, iam todos para sua pele, seu sangue, sua alma. Andava com a pressa e a obstinação de quem tem um objetivo. E a mulher tinha.

Como se acreditasse no andar e andar, até as solas não aguentarem, até o sangue manchar o asfalto e a dor ser insuportável, até não haver mais pés, até serem asfalto e pé uma só coisa e serem mais que um amontoado de preto e vermelho, asfalto e sangue; serem um ser, não vivo por ser um sinal da morte.


A mulher não andava como louca pela cidade com os pés descalços. O parágrafo acima é só figura de linguagem, embora não se distinga tanto da realidade. A mulher andava de ônibus e de carro e de pés, e usava tênis e sandálias e solas. E o sangue não era de feridas de seu corpo, era de algo mais profundo. E a mulher nem sentia.

Viveu como ser humano qualquer, normal de norma, comum de comunidade. De dizer bom dia e boa tarde a todos. E todo existencialismo proveniente de sua vida - esta narrativa, por exemplo, - não fora percebido pela interessada. Fez o ciclo completo: nasceu, cresceu, reproduziu e morreu. E não percebeu, como todos. Devia estar ocupada demais vivendo.


Quando morreu não se surpreendeu, mas creio que o faria. Não havia céu eterno e nem fogo eterno. Havia sono eterno, - e mais uma vez é só uma figura de linguagem - embora ela não percebesse, de novo.

Na verdade, e agora sem figura de linguagem, havia o nada, eterno. Havia o mesmo que há no sono, quando não há sonho, aquele vazio que ninguém explica, aquele preto.


Além do nada, havia pessoas chorando em volta do túmulo. Amigos, filhos, desconhecidos. Choro e tristeza. E havia os erros que não foram cometidos, os pecados não executados, as vontades que ficaram no passado, as paixões nunca realizadas, enfim: havia vida que não fora vivida.


Havia os erros e belezas de uma vida que não fora vivida. Erros e acertos marcados pelo medo, pela crença incontestável em algo, que poderia puni-la, que poderia enviá-la para o inferno se gostasse de outras meninas ou mesmo se falasse com gays. Ateísmo? Assunto proibido. Outras religiôes? Melhor nem falar nisso. Pensar? "Menina, você quer ser fisgada pelo inimigo?!"


E a mulher jazia ali e não se arrependia porque não podia, porque matéria orgânica não se arrepende, porque adubo não pensa e no túmulo só havia trabalho: decompositores a todo vapor. No balanço ficou uma vida vivida sem plenitude, sem pensar, com amarras para o sentir. E a vida, já que morreu, se esgotou, e ficou, portanto, apenas a não plenitude, a falta.


As crianças dos orfanatos que visitava, os irmãos da igreja, seguiram em frente. Sem a alma caridosa que tanto os ajudou. A mulher não. Agora era apenas uma mistura fedida de nutrientes para o sólo.E deus nem entrou na história.