sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O abraço.

Todo o amor que passou em sua vida e todo o amor que viria a passar em sua vida. E o homem assistindo de perto, com os olhos perdidos e confundidos com outros olhos na multidão. Todo seu amor ali, à sua frente, em um abraço excludente de si. Não eram um menino e uma menina, não eram colegas de escola, adolescentes em abraços fajutos. Não. Era seu amor do passado e seu amor do futuro se abraçando, se amando, e excluindo o rapaz.

Abaixou a cabeça e morreu, para aquele presente, para aqueles amores. E aqueles amores se foram para todo o dia. Ao levantar o rosto, viu, de relance um transeunte em primeiras barbas: renasceu para o amor. E agora estava vivo de novo, com mais uma cicatriz, a cicatriz de mais dois amores. Com mais uma cicatriz estava o rapaz, vivo para o amor.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Por aí

Parte 1

Havia rugas. E marcas e manchas e cicatrizes. E eram só rugas, marcas, manchas e cicatrizes. Não era luta, nem tristeza nem raiva nem dor. Não era um pai morto, uma mãe ausente. Não era o fracasso, a pobreza. Em seu rosto, se via apenas rugas, marcas, manchas e cicatrizes.

Descia a rua com a naturalidade do fazer todos os dias, das pedras de tão frequentes, amigas, que nunca a derrubariam. O andar tinha a tropeguidão das quatro da manhã. Não muita gente agora na rua. Algumas olhavam, outras continuavam em seus próprios assuntos. O cabelo já se desfazia do coque, o suor borrando a maquiagem, as roupas apertando com a calça mostrando mais do que devia: era fim de noite por completo.
Foi ganhando os Arcos da Lapa. O céu enevoado sobre a cabeça e junto com o céu todo o Rio de Janeiro. De plateia só mendigos em sono profundo e nem sequer um ou outro pivete para receber um boquete.

A cabeça estava vazia. Era piloto automático direto para casa. No murmúrio solitário devia reclamar da vida ou ensaiar resposta a algum cliente abusado. E ensaiando que estava, não pôde atuar: sentiu alguém lhe agarrando por trás. As mãos eram fortes e grandes.

-Espera aí, vamos conversar.

O homem não quis conversa. Com as mãos fortes a manteve presa e sua língua explorou a nuca e arredores da moça. Virou-a com força e forçou sua boca contra a da moça, em algo parecido com um beijo. Babado e com arranhões de bigode. Embora acostumada a isso, a moça queria sair, seu expediente já havia terminado. Tentava falar:

-Espera aí, eu sou profissional.

O homem não lhe dava atenção, só queria saber de boca, dentes, beiços e baba. Com as mãos explorava o corpo da moça, já dentro do soutien. Esse não era o primeiro homem corpulento que conhecera, não eram as primeiras mãos nojentas com quem tivera contato, mas a moça estava cansada, e além do mais, ainda não havia combinado seu preço.

A mulher tentava gritar, o homem lhe tapando a boca. Disse em seu ouvido.

-Vamos só fazer um amor gostoso.

A contra gosto, mas já sentindo prazer, prazer a mulher concordou.

-Eu não sou uma mulher qualquer, eu tenho meu preço. E estamos no meio da rua.

-Vou te levar ao meu cafofo.

Enquanto iam a algum lugar, o casal não parou de brincar. Iam bem juntos e o homem ia atrás. A mão sob o soutien da mulher, desnudando seus seios. A mão da moça dentro da calça do policial que tinha o membro para fora. Com a língua do homem em sua nuca, a mulher avistou o céu, e as nuvens haviam se dissipado. Avistou o Teatro Municipal, que parecia saudar os amantes com sua grandiosidade. As sandálias e a garrafa de vodca, que nem foram mencionadas, se perderam em algum ponto da narrativa.

Cruzaram a Cinelândia. Já se podia ver o pequeno posto policial. Da janela viram um policial cochilando em sua cadeira giratória.O homem bateu no vidro. O policial acordou assustado, já empunhando o fuzil que segurava. Abriu a porta.

- Carne nova, sargento?

- Então, soldado, queria que você me quebrasse essa... Sabe como é, não é?....
Queria ter uma privacidade aqui com a menina.

-Ué, a gente não pode dividir?

-Para dois é mais caro, vou logo avisando.

Sargento Gomes concordou com a cabeça:

- Hoje você vai ser a alegria dos Papa Mike.

Parte 2

Perdera o pai em um cochilo. Assistira (a) seu agonizar por longo tempo mas o sono foi mais forte e dormiu. Os olhos se fecharam e o pai ainda gemia de dor. Quando o silêncio se fez, acordou de susto. Viu o pai de olhos esbugalhados, as mãos imóveis na tentativa de retirar o respirador, a barba por fazer, a cama de ferro frio de colchão fino e lençol manchado, os dedos contraídos na magreza de dias de cama.

O velho afogado em sua biles amarelo ovo. Os olhos abertos encarando a luz branca do quarto que o impedia de ter paz. Ao ver seu pai, a moça sentiu um golpe. Um golpe e um alívio. O calvário havia terminado. De olhar cabisbaixo pôs a mão na testa do pai. Tentou rezar um pai nosso. Não conseguiu. Se lembrava apenas de algumas frases da oração. Com uma lágrima nos olhos, fechou os olhos do pai. Pegou suas coisas calmamente e saiu. Foi ao posto das enfermeiras e disse:

- Meu pai morreu.

A expressão do velho ao morrer não tinha nada a ver com sua cara nas noites de farra, quando chegava bêbado acordando os filhos. A camisa molhada de suor, o pano justo sobre a barriga peluda. Ia cambaleando direto ao quarto possuir a mulher. E a menina se levantava, sorrateiramente, com cuidado para não acordar os irmãos, arrastava a cômoda e punha os ouvidos na parede para escutar os gemidos da mãe. Os gritos da mãe lhe davam prazer e inveja. Não entendia como o pai se interessava por aquela mulher gorda e velha, de depilação atrasada e amarras sexuais. E com as mãos sob a cueca substituía o membro do pai, se esquecendo da raiva, da inveja, tendo só prazer. Imaginando o pai a possuindo, a amando, e a fazendo mulher.

Aos poucos foi desenvolvendo algo ruim pela mãe. Um misto de inveja, ódio e, é claro, amor. A situação piorou de vez quando a mãe soube que andava se envolvendo com outros meninos. Acordou-a com a raiva nas fazes rubras de gritar. A menina, de cabelos para cima, acordou apanhando:

- Viado! Viado! Viado!

A mãe pegou-a pela orelha e torceu até a menina levantar. Levou-a à rua ainda em trajes de dormir. A menina em lágrimas de humilhação. Portão a fora, foi gritando:

- Margareth! Margareth!

Uma mulher pôs o rosto para fora de uma janela.

- O que foi?

Sentiu muita raiva ao ver o rosto da mulher surgir na janela, mas agora poderia desmascarar aquela fofoqueira.

- Aqui está meu filho. Quero ver você dizer o que disse na frente dele.
Ao filho:

- É verdade, o que ela disse? É verdade que você estava chupando o pau de um menino ontem na praça?

O filho ficou em silêncio. A mulher continuava a apertar a orelha do filho que continuava a chorar.Apertou mais forte:

- Fala! Fala que essa vaca está mentindo!

O filho continou calado.

- Todo mundo sabe que esse teu filho sempre foi boiola, mulher! Dá licença, que eu tenho mais o que fazer.

Margareth bateu a janela. Constatando o óbvio, a mãe chorou. Largou a orelha do filho, assumia uma postura séria agora, quase austera. Apesar das lágrimas, falou secamente:

- Vai para casa e arruma suas coisas.

A menina obedeceu. Estava triste, humilhada, mas aliviada. Agora sua mãe sabia sobre ela, agora não precisava se esconder, calcular seus movimentos, controlar a munheca e agora, seu pai sabendo que era quase uma mulher, talvez se interessasse por ela, já que era mais jovem e bela que a mãe e poderia satisfazê-lo por completo, sem os limites que a mãe impunha.

Apesar da tristeza, pôs um sorriso no rosto. O mais sensual que conhecia. Prendeu o cabelo cacheado num coque com as mãos e entrou em casa. A mãe chegou logo atrás, esbaforida, gritando pelo marido:

- Paulo! Paulo!

O homem cochilava no sofá. Na sala abafada, apenas dois sofás velhos e uma estante com uma televisão no centro. Na televisão, algum programa esportivo. A menina estava em seu quarto em frente ao espelho se arrumando. Essa era a primeira vez que se mostraria maquiada ao pai, tinha que caprichar. Daquele quarto, não sairia Paulo Júnior, e sim Paula.

Depois de alguma confusão vinda da sala, a menina saiu. O pai, quando a viu, fechou a cara. Estava gritando com a esposa, e ao ver o filho, parou. Não muita raiva, só surpresa e decepção. Um golpe forte no peito, algo não esperado. Engoliu tudo em seco. Em tom seco e sério disse:

-Pega suas coisas e se manda.

E apenas. Voltou ao sofá. Sentou-se e terminou seu programa de esportes. A mulher tentou falar sobre, mas não adiantou. Desse dia em diante sempre que a mulher tocava no assunto, desconversava ou saía. O relacionamento com a mulher tornou-se o pior possível, a ponto de serem só dois estranhos dividindo a cama, e, raramente, o sexo. Paulo Jr. Morrera e eles perderam um filho.

Com as palavras do pai, a menina tivera suas ilusões destruídas, o mundo caíra em suas costas. Não pegou muito, apenas algumas maquiagens. As roupas de menino deixou para trás. Não levou nada que pudesse remeter àquela casa, ao território de Paulo Jr. Foi ganhar a vida, ganhar a noite. Saíra de casa Paulinha, e para nunca mais voltar.

Já estabilizada e com seus demônios controlados, alguns anos depois, Paula soube que o pai estava internado em um hospital público. Depois de pensar bastante, foi visitá-lo. Percebendo o total abandono, passou a cuidar do velho, passando a quase morar no hospital. O velho já não falava e conviver com ele era fácil. Quando viu o filho pela primeira vez nem esboçou reação. Talvez pensasse ser alguma enfermeira nova, ou talvez nem pensasse.

Nos banhos desenvolveram seu amor. Apesar do que houvera, Paula ainda nutria algo por seu pai, ou pela figura máscula e forte que habitara aquela casa. Suas fantasias de menino deram origem a um caso de amor: um pai e seu filho, um velho e uma travesti, uma puta e um vegetal: apenas dois amantes. O velho apenas gemia e o amor durou pouco. Em pouco tempo o pênis mole e as fezes sem controle fizeram nascer em Paula um nojo sem igual. Passara a apenas limpar e cuidar do pai.

Não muito tempo depois, chegou o cochilo.

Parte 3


No sexo anal, sargento Gomes percebeu algo sob a calcinha. Pensando que a mulher estava muito excitada, pôs-se a acariciar o volume por cima do pano. Paula sentiu prazer e não se preocupou, pensando que o homem, obviamente, sabia com quem estava lidando. Sentindo o volume crescer o policial desconfiou. Arrancou a calcinha da mulher e pôde ver o pênis, grande e cheio de veias, nascer.
Se assustou e guardou seu membro, ainda ereto e sujo, rapidamente. Se levantou em descompasso, gritando com a mulher. O soldado, que acompanhava a cena não conseguia parar de rir.

- Então é esse o tipo de menina que você gosta, sargento?

- Essa vadia me enganou.

A mulher surpresa e assustada, ainda no chão tentando cobrir o sexo, tentava argumentar:

- Eu pensei que você soubesse.

O amigo nunca o deixaria em paz, esse fato iria desonrá-lo para sempre. Sargento Gomes foi tomado por uma raiva sem igual, fazendo-o bufar e corar as faces:

- Você vai me pagar, seu viado escroto!

O sargento começou a chutar e pisar a moça no chão, que tentava, inutilmente, se defender com as mãos sobre a cabeça, em gritos de desespero. O soldado ficou assustado. O sangue começou a escorrer.

- Você está maluco? E o que a gente vai fazer com o corpo desse viado?

Sem parar de bater, o sargento respondeu:

- A gente dá um jeito.

E o soldado pôs-se a bater também.

Em pouco tempo a mulher já era silêncio e os chutes eram chutes em uma poça de sangue. Começaram a limpar a desgraça e puseram o corpo no camburão. Depois de pouco mais de uma hora, já haviam despejado o corpo em algum córrego da baixada fluminense.

Quanto a Paula, seguiu o rumo natural da vida. Seu corpo não demorou muito a se desfazer, sendo alimento para incontáveis microorganismos e alguns urubus. Suas moléculas, átomos, aminoácidos, etc, estão por aí. Nos rios, nas plantas, no ar, por aí, sob nós, sobre nós. E Paula depois de morta permaneceu onde sempre esteve: por aí.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O homem e o rapaz.

De uns tempos pra cá não tirava aquela expressão do rosto. Uma expressão de vazio, de papel branco a ser preenchido. Aquela cara que facilmente era substituída pela tristeza ou alegria, aquela cara de estado intermediário, de espera. Era com essa cara que andava nas ruas. Devia ser essa sua cara de andar nas ruas. E era com essa cara de andar nas ruas, que andava nas ruas, cheias de pessoas que andavam nas ruas com suas caras de andar nas ruas.

Agora voltava de mais um dia de trabalho. Pasta sob os braços e fones nos ouvidos. Vestia óculos e roupas sociais. Em caminho contrário ao seu, vinha um rapaz. Bermuda, camisa e chinelos. E, é claro, mais sua cara de andar nas ruas.

O rapaz o fitou vacilante (apenas o olhara, e olhar é um gesto normal de andar nas ruas). Nada de mais. Os olhos do rapaz saltaram do homem para o posto policial, que tinha as portas cerradas. Do posto policial, os olhos voltaram para o homem. E não saíram mais de lá.

Veio em caminhada rápida, sem porquê aparente. O homem se assustou, porque agora nada mais era normal do modo de andar nas ruas. Não houve tempo para reação. Apenas as mãos saltaram ao peito, mas era puro instinto. Assustado e surpreso, ouviu:

-Perdeu.

Sua inércia deixou o rapaz sem ação e os anúncios de perda foram seguidos e desenfreados:

-Perdeu, meu irmão. Vambora, passa tudo, meu irmão.

Quando retomou o pensar, só vieram raiva e tristeza à cabeça, e essas acabaram com a inércia: o homem agarrou o rapaz pela camisa e o forçou contra o muro. Já não tinha o mesmo olhar permissivo e desinteressado de antes. Era raiva por completo, dos dentes cerrados às veias saltando. O rapaz atônito tentava se libertar, mas as mãos eram fortes, eram intransponíveis.

O homem parecia em alguma espécie de transe. Como se a raiva não fosse só sobre aquele rapaz, que agora parecia vítima, aprisionado nos grossos e grosseiros braços de um brutamontes. Sentia toda a raiva do mundo, era a raiva. Era um quase humano transbordando de raiva.

-Você queria me assaltar, seu merda?

O homem falava pausadamente, e as palavras tinham dificuldade de passar entre seus dentes cerrados.

-Você não viu que estava em frente a um posto policial, seu idiota?

Falava com o vigor de tentar ensinar algo, mas a raiva ainda dominava.

- Você não sabe que eles vão enfiar uma porra grossa no teu cu até você confessar uma porrada de crimes que tu nem conhece?

Falava alto, sem se preocupar com o aglomerado que já se formava.

-Tinha que se sujar?

Gritava.

-Por causa de que?

O rapaz, completamente perplexo, não esboçava reação. Parecia em estado de choque. Apenas os olhos, mais que arregalados, não saíam dos olhos do homem.
O homem jogou o rapaz ferozmente ao chão e começou a despejar o conteúdo de sua pasta sobre o rapaz.

- O que você queria? Uma caneta? Uma agenda? Esses papeis.

O rapaz agora estava deitado sobre o chão. Os olhos fechados, as lágrimas sem espaço pra cair. Todos os papeis da pasta sobre o rapaz, formando um montante branco com pontos pretos, as letras e frestas do corpo do rapaz. Um grande aglomerado em volta, todos sérios e assustados. Alguns celulares filmando. O homem parecia possuído, e não era pelo diabo.

- Você tem passagem?

O menino não respondeu. O homem o pegou pelos ombros e o forçou contra o muro novamente.

-Tem passagem ou não, seu merda?

O menino fez que não com a cabeça, chorando. E as lágrimas eram de ambos os lados. O homem chorava um choro duro, que custava a sair. Era um choro de indignação, de revolta. Aquele rapaz era na verdade um menino. Tão menino quanto seu menino. Chorava por haver meninos e meninos, nas ruas e nas casas.

Devolveu o menino ao chão, que talvez fosse seu lugar, e o fez raivosamente.

- Você quer dinheiro, seu merda?

Pegou a carteira e despejou as notas sobre o garoto. Todas. Fez questão de jogar as moedas também, inclusive as que estavam em seu bolso. Jogava com força, com raiva. Eram esses os golpes que ainda não havia dado.

- É isso que você queria, seu merda?

O garoto fazia que não com a cabeça, em um murmúrio incompreensível de lágrimas e palavras.

- Pronto. Você já tem o que queria. Pode ir.

O menino não moveu dedo. Continuava em seu murmúrio sem signifcado, em um movimento de não com a cabeça, como se lamentasse. E lamentava.

-Leva! Leva! Vai seu merda! Você já tem o que queria.

Diante da imobilidade do garoto, o homem lhe chutou. E mais forte, e mais forte e de novo e de novo. E foram por todo o corpo, da cabeça aos pés, sem controle, numa espontaneidade assustadora de tão violenta. Eram chutes de desespero.

Parou quando percebeu que seus chutes já eram gesto automático, sem vida. Já eram ida e vinda de pé, e não chutes. Parou quando sentiu o pé doer e a dormência chegar. Quando percebeu que já não chutava um rapaz ou um menino, e sim que jogava os pés sobre uma massa vermelha e suja que espirrava algo, que se parecia com sangue.

As pessoas em volta do ocorrido tinham agora o terror instalado em seus rostos. O homem as encarou. Uma por uma, olho por olho. E palavra não fora dita. Agachou-se vagarosamente. Recolheu todos os pertences e os arrumou cuidadosamente em sua pasta. Pegou seus óculos que haviam caído e com o blusão limpou as lentes sujas de sangue. Levantou-se o mais reto possível, e ao levantar já tinha a mesma cara de andar nas ruas de antes. Recolocou os fones . Todos deram passagem e os olhares o seguiram por um bom pedaço.

Um policial chegou para saber o que havia ocorrido. Fitava a todos, mas o silêncio foi tudo o que conseguiu. Quando perguntava mais diretamente o policial ouvia:

- Não sei, não senhor.

E com as perguntas a aglomeração se dissipou. O policial fez o de praxe. Telefonemas e telefonemas. E agora o único que não tinha a mesma cara de andar nas ruas era o morto.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Amores, rosas e espinhos.

Trocavam rosas em constância diária:
de sacada em sacada;
em raro, de mão em mão.

Sempre rosas vermelhas.
Ou verdes.
Ou amarelas, ou coloridas.

Conheciam-se por foto.
Por um quadro negro de tinta ressequida na memória.
Ele o mais belo, ela a mais bela.

Dia desses se esbarraram na rua.
E eram os mesmos rostos belos do quadro negro.
Era o mesmo aspecto de sangue coagulado no rosto,
as mesmas rachaduras na pele,
a mesma hidratação por sangue,
as mesmas feridas.
Tudo era o mesmo.

O sangue dos espinhos das rosas,
e mais o sangue dos espinhos da vergonha,
do nojo e da raiva.

E não só:
era também o sangue dos espinhos do amor.

Eram todos aqueles espinhos
,e rosas,
do amor.

Talvez fosse aquele um amor de espinhos.

Pediram desculpas
e seguiram seus rumos.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Domingo no Centro

Não gosto de escrever ou ler coisas grandes, então espero que a leitura não seja massante. Quanto aos parágrafos, não consegui inserir.


A mulher anda desnorteada. E nem há sul, leste ou oeste. A chuva é intensa e o barulho é infernal, embora isso pouco importe. O vestido de molhado já pesa. As mãos sobre a barriga para esconder a vergonha. Os transeuntes, escassos em domingo no Centro, olham a moça assustados. Há lágrimas, mas a chuva as engole e não podemos vê-las.

A água sai do olho e já é seqüestrada bueiro a baixo. É natural, segue seu rumo. Só a moça ali não faz parte do cenário, é ser estranho, é fora, é descompasso. E agora, já nem desfruta da paz da solidão.

Em sua barriga há um peso, que não pesa. Há um fardo, que é fato, mas o destino muda e daqui a não muito será passado, será só memória, pesadelo. E mais depois ainda, será nem isso, que o esquecimento é presente de deus.

A moça carrega um filho. O feto se alimenta dela, depende inteiramente da mãe para viver. É algo valioso que ali cresce e se desenvolve. E é esse algo que dá importância, sentido ao corpo antes vazio. Agora tudo que a mulher é, é pelo filho. Agora a moça tem um filho e isso não pode mudar. O fato beira a verdade absoluta. Beira.

Dentro de seu corpo há um ser tentando destruí-la. É um bicho nojento que começou mínimo e agora já dá sinal de importância. É um vírus que a come por dentro, dia após dia. Que come toda e qualquer parte de tudo que a mulher tem, é como uma tênia, uma solitária, um micróbio qualquer. É uma cicatriz que cresce de dentro para fora.

A chuva ainda é intensa e a noite é cada vez mais escura. Os transeuntes agora são raros como milagres. Nem putas, nem viados, nem viados gordos chupando paus de meninos magros, nem moleques de rua, nem nada. Só a chuva. E agora uma calçada que parece seca e quente.

Imersa em água, frio, tristeza e medo a moça adormece. E não dorme de sonhar, não dorme de dormir. Só dorme porque a língua não oferece verbo melhor. Não sabe se sonhou, ou é tudo verdade. Ou se dormiu ou se nem acordou. Sabe apenas que continua molhada, com frio, medo e tristeza, e esses, se não fossem quem são, seriam seus melhores amigos. Ou pelo menos os mais presentes.

A barriga não incomoda, mas a cabeça não para de pensar. E é ódio, raiva, tristeza, surpresa, desespero e muito mais. É e é tudo junto. É aquela cicatriz que cresce de dentro para fora e não pára, que a cada momento a suga mais um pouco de vida, que a mata pouco a pouco, muitos poucos por minuto. É a cicatriz que a arrebenta e a arrebentará até o rebento. É a morte, que já não é caminho a trilhar e sim momento presente.

E é a ausência de moral. É a falta de certo e errado que é cada vez mais presente. E não há só dois caminhos, as possibilidades são infinitas. Mas as conseqüências são incalculáveis e o bom já não se distingue do ruim. É o não saber agir, é o mãos atadas, ou pior, as mãos livres. Totalmente livres, podendo tudo, o bom e o ruim, a morte e a vida. É só desespero.

O vestido já não é tão pesado, e não tão inteiro. O cabelo já não é tão macio, já não tem tanta vida, cor ou brilho. Agora a moça parece da rua e é tão natural da rua quanto qualquer mendigo, enchente ou viado gordo comendo cu de viado novo. Agora é parte do cenário, é só outro objeto qualquer. É parte do asfalto para doutor pisar.

O dia começa a raiar. E pessoas a chegar. Elas trabalham, têm empregos, andam apressadas. Não devem ter cicatrizes nas barrigas, devem ser felizes.

Ao ver uma mulher de saltos passando, a moça se lembrou que fora assim. Não, não fora. Era desses tipos que tinha nojo. Eram esses saltos plataforma que a enojavam.

Então se lembrou de tudo. Da bela casa, da bela família. Da faculdade, da vida que um dia tivera. Se lembrou que um dia fora feliz. E ao pensar em felicidade se viu casada e com filhos, numa bela casa. Prometeu a si mesma que tiraria aquele troço de dentro do útero e limparia bem limpo, para que aquele espaço pudesse receber um dia seu amado filho.

A felicidade começou a dar lugar à raiva. As mãos já não saíam da barriga. E não era massagem. Tentava expelir o feto a próprio punho, as mãos de tanta força já davam socos e não havia dor. Era só um objetivo a ser cumprido. Já não tinha mais forças para bater, para pressionar.

Pessoas ofereciam ajuda, mas a moça respondia com raiva. Era só raiva. Tudo era raiva. Em cada rosto via a figura distorcida daquele filho da puta. As palavras que ouvia se alternavam em: “eu te amo” e “confia em mim”. E os transeuntes balançavam. Iam e vinham igual a ele. O mundo vinha e ia que nem ele, o mundo balançava que nem ele naquela noite. Era só balanço. Tudo era só ir e voltar para ir de novo.

- Confia em mim.
- Prova que você me ama.
-Se entrega para mim esta noite, seja só minha.

O balanço aumentava e aumentava, se aproximava do fim. O gozo já estava próximo. As estocadas finais vindo e aumentando o ritmo. As vozes agora eram simultâneas e a roda à sua volta era grande. Muitas vozes, conversas pararelas, sirenes ao fundo e um grito.

O mais intenso que pôde. Um de rasgar garganta e o que vier pela frente. Um para acabar com o inferno, para que alguém pudesse escutá-la e resgatá-la. Um agudo desafinado como a vida da gente. A Presidente Vargas parou para olhar, o Centro do Rio parou para olhar.

Mas o grito era só grito, era só extravasamento. A criatura continuava lá, viva, pulsando. A cicatriz, o subproduto da noite de gozo, da mão mais assanhada, da liberdade, da confiança, das estocadas, do amor, dos “te amo’’ e “ confia em mim ”, continuava ali.

A mulher tinha de fazer alguma coisa. Precisava parar com aquilo de uma vez por todas. Estava deitada, quase desfalecida. Não havia nada. Olhou a seu redor. Era só uma rua e uma multidão à sua volta, nada mais. Avistou um caco de vidro. Era pequeno mas talvez servisse. Pegou o objeto. Forçou-o contra a barriga. Não sentira dor. Era duro, era difícil. A carne era forte, mas ela era mais. O processo era indolor, doía mais a mão que a barriga. O sangue manchava o chão, eternizava o momento da extirpação daquele demônio. Aos poucos, algo começou a sair da abertura criada pelo caco de vidro. E não tinha nada de bonito, heróico. Era só nojento. Só triste.

Viva alma não teve coragem de ajudar., já os gritos foram muitos. De todas as partes. A moça ouvia os gritos alheios como risadas: aquelas depois da transa. Como “bem feito” e “ eu avisei”, coisas que ela muito escutou. Era moça, e assim devia ter permanecido.

Agora não havia mais feto, nem vida, ou desenvolvimento. Eram só tripas esparramadas no chão. Não havia promessa de futuro, uma semente de luz que pega corpo de gente, eram só tripas esparramadas pelo chão. E nem havia cicatriz de dentro pra fora, encosto ou encarnação do demônio. Eram só tripas esparramadas no chão. Agora sim poderia criar sua família. Casar-se com um bom homem e ter um filho com ele. O mal havia sido extirpado. Doeu, mas agora acabou.

Fazia sol. E as sirenes agora eram para ela.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Versos só apenas.

Há versos que já nascem sem vida.
Que são abortos espontâneos de nascença.
Que nascem sem métrica, ética ou licença poética.
São só cuspe do corpo.
Vômito, escarro, coisa assim.

E destroem o caminho por onde passam.
E matam, só matam.
E vão tímpanos, ouvidos, orelhas, carne e tudo mais.

São morte (mal) traduzida em palavras.
É desmorfia travestida de texto.
Não faz livro, não literária, não é poesia.
Só assassina, é assassina.
Faz chorar, só isso, só faz chorar.
E não chora.

É só.
Só de solidão, só de solitário.
Só de tristeza, e só tristeza em ondas sonoras.
Só de apenas.

É isso: talvez esses versos sejam só apenas.
(Embora pena seja seu começo, meio e fim e então o prefixo de negação já perdeu seu sentido.)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A história de Moramo e Morama.

Cineastas às vezes dedicam seus filmes. Os filmes que fiz, não dediquei. Espero que faça outros e tenha mais oportunidades de dedicatórias. Enquanto isso, poeta que sou, só posso dedicar poemas. E o faço:

à Aline( concebemos juntos a palavra Morama).

Havia um casal de amores.
Passeavam felizes por ruas arborizadas.
Andavam a passos lentos, enamorados:
Amor e Amor.

Com pedras e buracos a vida era perfeita.
Não viram a pedra:
tropeçaram.

Caíram um por cima do outro.
Se fundiram:

Amor + Amor = Moramo.
(No caminho ficaram um a e um r, que era composição por aglutinação)


Agora eram só um.
E eram Moramo, com M de nome próprio.
Heterossexuais que eram, precisavam de uma Morama.
Eram amor, o mais poderoso que há: poderiam criar qualquer coisa.

Já tinham um a e um r, da fusão.
Foi fácil arrumar um amo, que era a conjugação de seus verbos
e por isso o mais importante que há.
O m achou pelo caminho: há mais letras e palavras por aí do que podemos imaginar.

Formaram outro casal:

Amor + Amor = Moramo
a + r + amo + m = Morama
______________________

Moramo e Morama.


Não viveram felizes para sempre.
Viveram o começo e o meio de suas histórias.
E no meio do caminho encontraram o poeta
que não sabia findar histórias:

Eles estão vivos!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Poema da espera(nça)

(Foi Aline que me ensinou que todas as histórias têm fim. Não sei se queria ter aprendido, mas ela nem perguntou: ensinou sem saber se deveria. Aprendi.)

O poema de hoje é de espera.
É de se notar incapaz e apenas esperar.
Mas só espera quem tem esperança:
o poema de hoje é de esperança.

É de esperança e braços cruzados.
Esperando alguém que não saiba dar fim às histórias.
Tudo o que vivemos, criamos ou escrevemos têm
Começo, Meio e Fim.

Por mais bela que seja a história,
ela leva à tristeza:
acaba.

Portanto, o poema de hoje é de esperar.
Esperar a revolução da poesia.
Esperar a chegada do poeta
que não bote fim em suas histórias.

É isso:
o poema de hoje é só a espera
pelo poeta que não sabia findar histórias.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Infernos e infernos.

A gente fuma o cigarro é pra sentir o inferno perto da boca.
Pra ver o negócio queimando e se sentir no controle.
A gente quer o inferno bem perto.
Pra vigiar.
Pra não ser surpreendido.
Pra esquecer o inferno que a gente vive e dizer:
“ Esse eu controlo.”


A fumaça entrando.
A fumaça saindo e arrancando tudo.
Te matando um pouquinho.
Te levando alguns minutos de dor.
Te dando essa dádiva
O gosto amargo é de homem.
Porque eu posso agüentar todo o amargo da vida.

A gente fuma é
Prá sentir o gosto ruim e provar pra si mesmo que agüenta.
Que a gente é bom o bastante.
Que a vida bate, mas a gente levanta.
Machucado, mais feio que antes.
Mas aqui. Encarando ela e dizendo:
“Sua filha da puta, eu não vou desistir.”

A gente fuma é pra sentir
Que o gosto ruim é menor que você.
Que você é melhor que alguma coisa.
Que tem algo que cheira pior que você.
Que há outros infernos por aí,
Que o seu é só mais um.

E se alguém te disser que você cheira mal.
Responde:
“ Foda-se.
Eu não sou o único.”

Porque a gente não gosta de se foder.
Mas pior que se foder é se foder sozinho.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O tudo que houve entre nós.

Há um olhando, outro olhado.
Há um incômodo, um incomodando e dois incomodados.
Não há desculpas, desculpando ou desculpado.
Só um ensaio de pedido.
Porque não há culpa, apenas sentimento velado.

Os olhos para baixo: só se via mãos.
Nos ouvidos fones de ouvidos: trilha sonora diversa.
O ônibus correndo.
Gente subindo, gente descendo.

A gente engolindo a cidade.
A cidade engolindo a gente.
A gente não vê a cidade.
A cidade não vê a gente.
Eu não vejo ninguém.
Ninguém vê a gente.

um e um.
Não dois.
O banco não é pra dois.
É um banco duplo para um e um.
E é isso o que há: um e um.

O tudo descrito é só prosa, poesia ou sonho: imaginação.
No fundo,
(Fundo?! Que fundo?! Nunca houve relação de mais superfície!)
havia nada entre nós.
Não havia nós.
Havia eu e ele.

Havia apenas a incerteza:

" Ele quer um beijo ou só roubar meu relógio ? "

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Porque Desdita é sobrecomum aos dois gêneros.

Adoro a palavra desdita. Fugindo da desdita que é a vida, surge a poesia. E é da desgraça que surge essa, que não é das melhores, mas chora um choro verdadeiro.

Depois de dito,não há desdito.
E desdizer é só sonho, utopia.
A desdita é fato, é tudo, e o é sem se arrepender.
Não há arrependimento que dê jeito na palavra que já escapou,
Já machucou. Já matou.
O vento passou,
O som se foi,
Mas algo continua aqui.
Um sentimento de desgosto, de tristeza e não há o que se fazer.
Não adianta a desculpa.
Ela não mata a culpa ou desdiz o dito.
Esse dito que soa mais como não dito
O dito, desdita, não pode ser desdito: desdita é sobrecomum
E é sobrecomum aos dois gêneros: a desgraça é tudo que temos, seja homem ou mulher.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O grande salto do meu menino.

Acabei de ler "Estação Carandiru", um livro que mexeu muito comigo. Espero que todos tenham a oportunidade de ler esse livro, que todos possam enxergar os presidiários apenas como pessoas que cometeram um erro. Eu devo ter esbarrado em alguém hoje, e na prova que fiz errei algumas questões, mas não estou preso por isso. É claro que seus delitos foram mais graves. Então tudo bem, que fiquem presos. Mas escória da sociedade, seres inferiores.... blá blá blá, toda a baboseira que costuma-se dizer é inaceitável que se diga sobre os presidiários. Pra quem se interessar pelo tema, depois de ter o textículo abaixo, leiam um grande texto sobre: "Meu Guri" do Chico Buarque. Naquela música ele diz tudo que se pode dizer sobre o tema.

Vem, moleque!
Sai da invisibilidade.
Rasga esse manto desgraçado que te cobre, te encobre.
Usa o brilho do meu rolex! Aproveita, é todo teu.
Na tua corrida o mundo tem os olhos em você.
Apertam o rosto, te seguem, perseguem.
Veja, pequeno, todo o mundo te segue com os olhos.
Você é a menina de nossos olhos.

Depois, meu pequeno, agora que te encontramos,
o hospedaremos em nossa casa, no seio de nossa pátria.

O invisível não é pra você, o transparente é muito pouco pra ti, oh transpassante dos nossos papiros.

Chega ao teu pódio, pula e (a)testa a madeira! É maçaranduba, é verdadeira, meu pequeno!

Vejo o dourado a tua volta, é ouro.

Goste ou não, a imortalidade é tua.
E sai nos jornais, revistas e noticiários.
É só uma página, mas é toda tua(embora a divida com teus colegas de classe).
Depois de lido, o jornal vai ao lixo, é fato.
Mas átomos são desfeitos? Morrem?
Não, meu pequeno!

Vai moleque, abraça o imortal e aceita o teu destino!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Lógico 2

1) A é um prefixo de negação grego.
2) Des é um prefixo de negação latino.

Então 1=2.

Logo: Quem aprende se desprende.
E isso vale para qualquer língua.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A corrida.

Éramos companheiros de corrida.
Do ônibus ao chuveiro.
Éramos amigos.
E corríamos no mesmo ritmo.
Mesma velocidade, passos ordenados.
Natural: esquerda, direita, esquerda, direita.

Durou pouco.
Cansaço, ou o calor do Rio de Janeiro, eu não sei.
Desandou: esquerda, direita, direita, direita, esquerda.
Confusão.

Ruptura.

Ele continuou.
Correu o mundo com seus pés.
Gastando as solas, desnudando a carne.
E eu fiquei.
Caído.
A segui-lo com o olhar.
E eu o segui, e segui - era onipresente.

E ele nem olhou para trás.

sábado, 2 de abril de 2011

Do A e do Re no A ou Re Provado

Eu tiro o A e escrevo o RE e não me importo se ele tem uma família.
Eu tiro o A e escrevo o RE e não me importo que essa é sua última chance.
Eu tiro o A e escrevo o RE e ainda há muitos na chamada.
Eu tiro o A e escrevo o RE e o sono já me chama.
Eu tiro o A e escrevo o RE e ele deve estar dormindo ou vendo sacanagem.
Eu tiro o A e escrevo o RE e não me importa se isso pode matá-lo. Ele é só um número e os números são infinitos.
Eu tiro o A e escrevo o RE e durmo tranquilo, chego a roncar. O sono é tudo o que me importa.
Eu tiro o A e escrevo o RE e ele está reprovado.

Passemos a outro número da chamada.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Poema de amor a uma camisa rasgada.

Tenho carinho por esse texto, ele fala da subjetividade. E exalta o amor, nele eu amo e compreendo apenas a minha camisa rasgada e manchada.


Se olharem a minha camisa
se olharem bem
os furos como póros
de um ser
ser que vive :
ser vivo.

E mesmo bem profundo,
a fundo,
não a verão bonita.

A enxergarão furada,
mas refuto e tenho argumento:

Está na meninice, deseja brincos nas orelhas.

E a julgarão manchada
enquanto eu verei a pintura em seus olhos
(especialmente as meninas dessa idade tem certo apego às cores)
refuto:

Eles não entendem a maquilagem de minha pequena, é vanguarda demais.

E eu os verei uns crápulas
insensíveis, limitados, sem amor
E não há o que refutar.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A problemática do ácido-base.

Em homenagem à querida Andréa Motta, que me dá forças. A ela segue o texto e o meu sincero muito obrigado. O texto não é pra ela ou sobre ela, mas eu o dedico a ela, grande apreciadora de literatura.

Aí vai:

Me classificam ácido.
E pior: forte e oxidante.
Do nariz largo e traços grosseiros.
Membro avantajado- tamanha desvantagem!

Sou base, doador(a).
E das mais fortes.
Quem em aquoso se dissocia.
E doa, doa e doa.
Elétrons, hidroxilas, tudo.
E recebe.
H+, H+,H+.
Quão receptor!
Sou.

Nasci dotado de Hidrogênio.
Pior: íon.
H+.
Em água produzo hidrônio.
Mas contra minha vontade- juro.
No armário queria estar à direita, com os hidróxidos.
Odeio o muro que nos separa-acham que reagimos violentamente.
Mas um dia saio dele- juro.

E que mudem os conceitos básicos de química.
Que morram Arrhennius, Lowry e Lewis.
Aos infernos as funções inorgânicas!
E junto levem suas tolas classificações.
Que calculem meus hidrogênios mas me vejam base, alcalino.
Que se ioniza mas tem pH maior que 7.

Mas que doa.
Sempre.
Que é.
E é por escolha, vontade própria ou condição.
É.